Padre Antônio Vieira
António Vieira (português europeu) ou Antônio Vieira (português brasileiro) (
Lisboa,
6 de fevereiro de
1608 —
Salvador (Bahia),
18 de julho de
1697) foi um
religioso,
filósofo,
escritor e
orador português da
Companhia de Jesus.
Uma das mais influentes personagens do
século XVII em termos de
política e
oratória, destacou-se como
missionário em terras brasileiras. Nesta
qualidade, defendeu infatigavelmente os
direitos dos povos
indígenas combatendo a sua exploração e escravização e fazendo a sua evangelização. Era por eles chamado de "
Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em
tupi).
António Vieira defendeu também os
judeus, a abolição da distinção entre
cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela
Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da
escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição.
Na
literatura, seus sermões possuem considerável importância no
barroco brasileiro e
português. As
universidades frequentemente exigem sua leitura.
Biografia
Nascido em lar humilde, na Rua do Cónego, perto da Sé, em
Lisboa, foi o primogénito de quatro filhos de Cristóvão Vieira Ravasco, de origem
alentejana cuja mãe era filha de uma mulata ou
africana, e de Maria de Azevedo, lisboeta. .
[1]
Cristóvão serviu na
Marinha Portuguesa e foi, por dois anos, escrivão da
Inquisição. Mudou-se para o
Brasil em
1614, para assumir cargo de escrivão em
Salvador, na
Bahia, mandando vir a família em
1618.
No Brasil
António Vieira chegou à
Bahia, onde em
1609 seu pai passou a trabalhar como escrivão no Tribunal da Relação da Bahia, o que motivou a vinda de toda a família. Em
1614, iniciou os primeiros estudos no
Colégio dos Jesuítas de Salvador,
[2]
onde, principiando com dificuldades, veio a tornar-se um brilhante
aluno. Ingressou na Companhia de Jesus como noviço em maio de
1623.
Em
1624, quando na
invasão holandesa de Salvador, refugiou-se no interior da capitania, onde se iniciou a sua vocação missionária. Um ano depois tomou os votos de
castidade, pobreza e obediência, abandonando o noviciado. Prosseguiu os seus estudos em
Teologia, tendo estudado ainda
Lógica,
Metafísica e
Matemática, obtendo o mestrado em
Artes. Foi professor de
Retórica em
Olinda, ordenando-se sacerdote em
1634. Nesta época já era conhecido pelos seus primeiros sermões, tendo fama de notável pregador.
Quando a segunda invasão holandesa ao Nordeste do Brasil (
1630-
1654), defendeu que Portugal entregasse a região aos
Países Baixos,
pois gastava dez vezes mais com sua manutenção e defesa do que o que
obtinha em contrapartida, além do fato de que os Países Baixos eram um
inimigo militarmente muito superior à época. Quando eclodiu uma disputa
entre
Dominicanos (membros da Inquisição) e Jesuítas (catequistas), Vieira, defensor dos
judeus, caiu em desgraça, enfraquecido pela derrota de sua posição quanto à questão da guerra.
Em Portugal
Após a
Restauração da Independência (
1640), em
1641 regressou a Lisboa iniciando uma
carreira diplomática,
pois integrava a missão que ia ao Reino prestar obediência ao novo
monarca. Sobressaindo pela vivacidade de espírito e como orador,
conquistou a amizade e a confiança de
João IV de Portugal, sendo por ele nomeado embaixador e posteriormente pregador régio. Ainda como diplomata, foi enviado em
1646 aos
Países Baixos para negociar a devolução do Nordeste do Brasil, e, no ano seguinte, à
França. Caloroso adepto de obter para a Coroa a ajuda financeira dos
cristãos-novos, entrou em
conflito com o
Santo Ofício, mas viu fundada a
Companhia Geral do Comércio do Brasil.
No Brasil, outra vez
Em Portugal, havia quem não gostasse de suas pregações em favor dos
judeus. Após tempos conturbados acabou voltando ao Brasil, de
1652 a
1661, missionário no
Maranhão e no
Grão-Pará, sempre defendendo a liberdade dos índios.
Diz o Padre
Serafim Leite em
Novas Cartas Jesuíticas, Companhia Editora Nacional, São Paulo,
1940, página 12, que Vieira tem "para o norte do Brasil, de formação tardia, só no
século XVII, papel idêntico ao dos primeiros jesuítas no centro e no sul», na «defesa dos índios e crítica de costumes". "
Manuel da Nóbrega e António Vieira são, efectivamente, os mais altos representantes, no Brasil, do criticismo colonial. Viam justo - e clamavam!"
Naufrágio nos Açores
Em
1654, pouco depois de proferir o célebre "
Sermão de Santo António aos Peixes" em
São Luís, no estado do
Maranhão, o padre António Vieira partiu para
Lisboa, junto com dois companheiros, a bordo de um navio da Companhia de Comércio, carregado de
açúcar. Tinha como missão defender junto ao monarca os direitos dos
indígenas escravizados, contra a cobiça dos colonos portugueses. Após cerca de dois meses de viagem, já à vista da
ilha do Corvo, a Oeste dos
Açores, abateu-se sobre a embarcação uma violenta tempestade. Mesmo recolhidas as velas, à exceção do
traquete, correndo o navio à capa, uma rajada mais forte arrancou esta vela, fazendo a embarcação adernar a
estibordo. Em pleno mar revolto, na iminência do
naufrágio, o padre concedeu a todos absolvição geral, bradando aos
ventos:
- "Anjos da guarda das almas do Maranhão, lembrai-vos que vai este
navio buscar o remédio e salvação delas. Fazei agora o que podeis e
deveis, não a nós, que o não merecemos, mas àquelas tão desamparadas
almas, que tendes a vosso cargo; olhai que aqui se perdem connosco."
Após essa exortação, obteve de todos a bordo um voto a
Nossa Senhora de que lhe rezariam um
terço todos os dias, caso escapassem à morte iminente. Ainda por um quarto de hora o navio permaneceu adernado até que os
mastros
se partiram. Com o peso da carga, estivada até às escotilhas, o navio
voltou à posição normal, permanecendo à deriva, ao sabor dos elementos.
Nesse transe uma outra embarcação foi avistada, mas sem que prestasse
qualquer auxílio. Ao cair da noite a mesma retornou, mas tratava-se de
um
corsário neerlandês
que recolheu os náufragos a bordo e pilhou a embarcação à deriva, que
acabou por ser afundada. Nove dias mais tarde, quarenta e um
portugueses, despojados de seus pertences pessoais, foram desembarcados
na
Graciosa, onde o padre António Vieira, com o auxílio dos religiosos da
Companhia de Jesus, procurou providenciar-lhes
roupas,
calçado e
dinheiro durante os dois meses que permaneceram na ilha. Dali, também, creditou
Jerónimo Nunes da Costa para que este fosse a
Amesterdão resgatar os papéis e
livros
que lhe haviam sido tomados pelos corsários, o que se acredita tenha
sido cumprido uma vez que dispomos hoje de cerca de duzentos sermões
(este naufrágio é relatado no vigésimo-sexto) e cerca de 500 cartas do
religioso, muitas das quais anteriores ao naufrágio.
O grupo passou em seguida à
Ilha Terceira,
onde Vieira obteve o aprestamento de uma embarcação para que os seus
companheiros de infortúnio pudessem seguir para Lisboa. Instalado no
Colégio dos Jesuítas em Angra, ele aqui permaneceu mais algum tempo,
tendo instituído a devoção do terço, que pela primeira vez foi cantado
na
Ermida da Boa Nova. Entre os
sermões que pregou em diversos locais da ilha, destacou-se o que proferiu na
Igreja da Sé, na Festa do Rosário, celebrada anualmente a
7 de outubro, com aquele templo repleto.
Uma semana mais tarde, Vieira passou à
Ilha de São Miguel,
onde proferiu o sermão de Santa Teresa, um dos mais destacados de sua
autoria. Dali partiu para Lisboa, a bordo de um navio inglês, a
24 de outubro. Após atravessar nova tempestade, o religioso chegou finalmente ao destino, em novembro de 1654.
Em Portugal, outra vez
Em Portugal, António Vieira tornou-se confessor da “regente”, D.
Luísa de Gusmão que foi a primeira
rainha de Portugal da
quarta dinastia. Com a ascensão ao trono de
D. Afonso VI, Vieira não encontrou apoio.
Abraçou a profecia Sebastiana e por isso entrou em novo conflito com a
Inquisição que o acusou de heresia com base numa carta de 1659 ao bispo
do
Japão
na qual expunha sua teoria do quinto império seguido a qual Portugal
estaria predestinado a ser cabeça de um grande império do futuro.
Em Roma
Em
Roma, ficou 6 anos, encontrou o Papa a beira da morte, mas deslumbrou a
Cúria
com seus discursos e sermões. Com apoios poderosos, renovou a luta
contra a Inquisição, cuja actuação considerava nefasta para o equilíbrio
da sociedade portuguesa. Obteve um breve pontifício que o tornava
apenas dependente do Tribunal romano. A mesma extraordinária capacidade
oratória que seduzira, primeiro, o governo geral do Brasil, a corte de
Dom
João IV, e que depois, iria convencer o Papa e garantir assim a anulação das suas penas e condenações.
Entre 1675 e 1681, a actividade da Inquisição esteve suspensa por
determinação papal em Portugal e no império, uma determinação que
encontrou o seu maior fundamento nos relatórios sobre os múltiplos
abusos de poder que o jesuíta deixou em Roma, nas mãos do
Sumo Pontífice.
Desta forma conseguia dois feitos raros e históricos, por um lado
conseguia parar pela primeira vez durante sete anos a actividade do
Santo Oficio em Portugal e, feito não menor, lograva escapulir da
perigosa malha que inquisidores derramavam sobre si.
Em Portugal
Regressou a Lisboa seguro de não ser mais importunado. Quando, em
1671, uma nova expulsão dos judeus foi promovida, novamente os defendeu. Mas o Príncipe Regente passara a protector do
Santo Ofício e recebeu-o friamente. Em
1675, absolvido pela Inquisição, voltou para Lisboa por ordem de D. Pedro, mas afastou-se dos negócios públicos.
No Brasil, pela última vez
Decidiu voltar outra vez para o Brasil, em
1681. Dedicou-se à tarefa de continuar a coligir os seus escritos, visando à edição completa em 16 volumes dos seus
Sermões, iniciada em
1679, e à conclusão da
Clavis Prophetarum. Possuía cerca de 500
Cartas
que foram publicadas em 3 volumes. As suas obras começaram a ser
publicadas na Europa, onde foram elogiadas até pela Inquisição.
Já velho e doente, teve que espalhar circulares sobre a sua saúde para poder manter em dia a sua vasta correspondência. Em
1694,
já não conseguia escrever pelo seu próprio punho. Em 10 de junho
começou a agonia, perdeu a voz, silenciaram-se seus discursos. Morre na
Bahia a 18 de julho de 1697, com 89 anos.
Obra
Deixou uma obra complexa que exprime as suas opiniões políticas, não
sendo propriamente um escritor, mas sim um orador. Além dos Sermões
redigiu o
Clavis Prophetarum, livro de profecias que nunca concluiu. Entre os inúmeros sermões, alguns dos mais célebres: o "
Sermão da Quinta Dominga da Quaresma", o "
Sermão da Sexagésima", o "
Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda", o "
Sermão do Bom Ladrão","
Sermão de Santo António aos Peixes" entre outros.
Vieira deixou para trás cerca de 700 cartas e 200 sermões.